13 de jun. de 2014

Kaboom!

_Lembra daquela vez que a gente correu atrás do carro da polícia, pra pegar carona?
Shou ria em toda sua fragilidade e fraqueza.
_Claro que eu lembro Shou! Foi inesquecível - eu disse.
A luz do quarto parecia molhar meu rosto, mas talvez fossem só minhas lágrimas. Ver meu amigo debilitado em uma cama, não me deixava feliz. Ele se movimentava o tanto quanto podia, com um sorriso meio baixo, pele pálida e olhos profundos.
_Gabe...
Eu sai do transe ao ouvir meu nome.
_ Você só está dizendo essas coisas porque sabe que vou morrer a qualquer instante. Eu sei disso. Mas eu te agradeço por cada segundo que você passou - Shou se engasgou e tossiu - comigo. Você me fez mais feliz.
E eu acordei com o coração batendo muito forte. Eu não sabia quem era esse tal de Shou.

Sentei na minha cama, olhei pro teto, esperando meu coração acalmar. Depois de alguns minutos eu levantei, já era de manhã. Esperei o despertador tocar, às sete, enquanto isso fiquei rodando pela casa. Sai normalmente, mas o tempo estava chuvoso. Sentei no ponto ao lado de um senhor de idade.
_Bom dia meu jovem!
_Bom dia... - respondi educadamente.
_Você sabia que tem que parar de comprar cigarros?
Eu olhei com uma cara muito estranha pro velhinho.
_ Oi? Eu nunca fumei. Muito menos comprei cigarros.
O senhor estava com fones de ouvido, olhando pra um celular. Não estava falando comigo.
_Show!
Tomei um susto quando o senhor urrou perto de mim, vendo algo no smartphone. Ainda bem que o ônibus chegou.

O dia inteiro, a imagem de Shou martelava minha cabeça. E eu procurava um sentido. Conversei com um amigo e ele disse pra esquecer, era só um sonho. Procurei em significados de sonhos, na internet, mas nada me mostrava nada. E o dia passou.

Acordei bem, sem sonhos, e fui trabalhar. No ponto, lá estava o senhor de idade com seu celular, falando. Sentei um pouco mais longe dessa vez.
_Kaboom!
Outro susto. Sério, não sei o que esse velho toma pra ficar assim.
_Já parou de comprar cigarros?
Olhei pra ele, e de novo, estava com seus fones.

Essa situação se repetiu por várias vezes, e sempre, a frase dos cigarros surgia. Até que parei pra pensar. Que cigarros eram esses que eu comprava? E porque logo eu que não fumava? Procurei uma ação, um pensamento, algo que podia se comparar ao ato de comprar cigarros. E então finalmente entendi.

Eu, Gabe, confesso que eu nunca tinha parado pra pensar em como sou vazio. Como dentro de mim, só existia o nada. Eu percebi isso quando vi que comprava cigarros. Os cigarros eram as mulheres com que eu me relacionava, uma a cada vez que me sentia vazio. Eu comprava o maço, fumava, me intoxicava, e não conseguia ficar sem. É um vício de falta de amor a você mesmo. Um ciclo da dependência emocional e física. Parecia que sem uma pessoa pra me amar, eu não conseguia sentir isso. Perdi a conta de quantas vezes quis tirar minha vida, de quantas vezes questionei minha existência. De quantas vezes perdi minha fé. Quantas vezes nem meus amigos conseguiam fazer com que meu coração se sentisse cheio de novo. Minha vida parecia realmente uma garrafa de vinho, que as pessoas bebiam e depois ficava vazia.
E finalmente, entendi e parei de comprar cigarros. E obviamente tinha que agradecer ao senhor que me disse isso.

Como de praxe, o velhinho estava lá, com seu smartphone e seus fones de ouvido, no ponto, de manhã. Ao sentar perto dele, ele disse a mesma frase.
_Você tem parar de comprar cigarros!
Eu sorri pra ele, cutuquei ele e automaticamente ele gritou:
_ Kaboom! Show!
Eu tomei um susto e o velhinho continuou ali, repetindo a frase várias vezes. Uma moça chegou no ponto e sentou ao meu lado. Se ajeitou e olhou pra mim.
_Você tentou falar com esse senhor?
_Sim, eu tentei - respondi.
_Ele tem problema de cabeça, não bate bem não.
_Ah, sim.
Parei, pensei um pouco, olhei pro céu nublado das sete da manhã. Percebi que o Shou do meu sonho era esse senhor, que me despertou pra viver de novo. O Shou com quem eu devia me importar, era esse amor dentro de mim, que eu precisava cultivar. Esse amor a eu mesmo.
Olhei pra moça e disse:
_Você tem que parar de comprar cigarros.
E sorri.

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