“Eu passava todos os dias pelo mesmo caminho, pelas
mesmas pedras. Calculava milimetricamente aonde tocaria meus pés, nas
rachaduras que pisaria e nos ladrilhos que minha mão deslizaria durante meu
caminho à escola.
Ninguém parecia me notar durante todo esse tempo, ninguém
se importava comigo. Desprezavam-me, ignoravam ou até rogavam pragas quando eu
aparecia. Mas nem uma alma sabia o segredo que habitava no meu ser.
Durante a minha vida, eu só quis ser amado. Não me
esforçava pra isso, porque acreditava que isso devia ser algo que as pessoas fizessem
naturalmente. Mas não era isso o que eu via na humanidade. Pra mim eles só
gostavam de alguém quando há alguma vantagem. Não havia amor só por amar. E
como não tinha nada de bom para oferecer aos outros, me isolava. E a minha “doença”
foi mais um agravante para eu não me relacionar com os outros.
Eu estava me transformando em algo, não sabia o que era
ainda. Minha pele mostrava manchas negras como a escuridão e pareciam ter certa
profundidade. Não sentia nada ao tocá-las, como se fossem apenas ar. No início
fiquei desesperado, louco, perdido, mas acostumei com a ideia.
Procurei médicos e a reação de todos foi unânime: não
conheciam o que eu estava passando, não havia solução. Então todo dia eu rezava
pra que não fosse algo grave e que eu pudesse conviver com aquilo, mas tinha
extremo medo de que restasse pouco tempo pra mim. Resolvi viver.
Tinha uma garota que eu gostava, sempre via ela na minha
escola. O nome dela era Laura. Não tão bonita, mas tinha uma personalidade que
me cativava imensamente. Como tinha decidido viver meu possível pouco tempo, eu
me aproximei dela. E não me arrependi um segundo.
Laura tinha uma beleza que me impressionava. O sorriso
dela me fazia sentir vivo e amado. Mas as manchas do meu corpo continuavam a me
consumir. Ela foi a única que conheceu um pouco da minha doença.
Quando as manchas tomaram quase todo meu corpo, não saí
de casa. Eu seria muito rejeitado pela sociedade. Mas Laura veio me visitar e
descobriu o que eu, Summanus, passava. Contei pra ela cada detalhe do que
sabia.
Os olhos dela encheram de lágrimas e seus lábios encostaram-se
aos meus. Exatamente nesse momento, eu senti o amor. O amor que eu tanto desprezava
e que eu nunca imaginava que poderia sentir. E também, nessa hora eu me transformei
na Noite.
Todas as manchas pretas que surgiam em mim eram mais um
pedaço do meu corpo se tornando Noite. Quando ela me beijou, toda a escuridão
me consumiu e eu me misturei com o céu. Fiquei triste a partir daquele dia.
Todas minhas partículas se envolveram com a imensidão do universo, mas eu ainda
estou aqui. Diariamente, quando o dia acaba, sou eu mais milhares de pessoas
que encontrei por aqui com a mesma “doença”, que enfeitamos o céu de preto.
Estamos aqui pra lembrar a toda humanidade que enquanto a Noite existir, o amor
não morrerá. E enquanto houver pessoas que não se sentem amadas, essa doença se
alastrará.
A negra imensidão são milhares de almas consumidas pelo
amor. E as estrelas, são aquelas que espalham o amor.
Com amor,
Summanus”
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