8 de ago. de 2012

Desertificamente Calmos

- Você disse que você ia estar lá na hora do parto.
- Mas eu não pude, o trabalho me prendeu lá amor. Mas pense no lado bom, nossa filha está aqui.
- Você prometeu...
Fiquei calado.
Pandora é bastante complicada. Eu convivo com ela porque a amo, nenhum outro motivo. É difícil aturá-la, muito. Ela é complicada porque não entende a beleza das coisas simples. Só gestos grandes e maravilhosos a contentam. E eu resolvi fazer um só pra agradá-la. Mas esse gesto não seria um gesto grandioso sem uma base simples.
Nossa filha estava pra nascer. Sakina é o nome dela, significa calma. Esse nome foi a primeira parte do meu gesto. É um nome árabe, que me lembra deserto, a segunda parte do meu grande plano. Havia prometido a Pandora que estaria ao lado dela na hora do parto. E como eu bem sei, um grande gesto tem que vir com uma grande quebra de expectativa. E eu quebrei minha promessa pela primeira vez.
Quando Pandora fez o exame que revelou o sexo do bebê, eu comecei a bolar meu plano. Sugeri três nomes a ela, os quais gostou e pediu que eu escolhesse. Os nomes eram Natália, Samantha e Kiara.
Eu tenho uma carreira firme e reconhecida, o que me proporciona viagens a trabalho e a lazer. Disse a Pandora que viajaria e ficaria 3 semanas fora, e que voltaria a tempo do parto. Mas eu sabia que não voltaria a tempo. Fui para o Oriente Médio. Consegui fazer o que queria no tempo que havia planejado. Voltei para minha cidade em duas semanas, mas não fui pra casa. Procurava evitar todos os lugares que minha mulher ia. E depois de uma semana outra parte do meu plano estava realizada. Havia uma semana restante para completar tudo.
E chegou o dia do parto. Pandora teve Sakina às 13:00. Eu sabia o horário, porque parte do meu plano envolvia os médicos dela. Cheguei uma hora depois.
- Você disse que você ia estar lá na hora do parto.
- Mas eu não pude, o trabalho me prendeu lá amor. Mas pense no lado bom, nossa filha está aqui.
- Você prometeu...
Fiquei calado. Sorri para ela.
- Eu estava esperando você para saber o nome da nossa filha.
- Sakina.
- Sakina? O que é isso?
- Espere que você vai ver.
E o meu plano entrava em ação. Peguei a maca em que Pandora estava sentada e comecei a empurrá-la por toda a extensão do hospital. Chegamos ao corredor 7 e todas as luzes se apagaram. Então, uma a uma, as televisões que eu havia colocado ali, começaram a exibir imagens de Pandora em sua rotina de gravida. Sim! Eu havia filmado ela todos os dias secretamente. Parei na quarta televisão e era a cena em que eu dizia a ela os nomes que havia escolhido. Então ela se voltou a mim e balançou a cabeça. Eu sorri e continuei a caminhada. Na última televisão aparecia os três nomes que escolhi. Em destaque a primeira sílaba dos três nomes, que formavam Sakina. Então a porta do corredor se abriu para o pátio do hospital, e uma luz intensa não nos deixava enxergar nada. Quando a luz se reduziu, as milhares de fotos que tirei nas minhas duas semanas no Oriente Médio estavam espalhadas pelo chão, formando a foto de nosso casamento, como se fosse uma escultura de areia.
- Eu, eu...
Sim, Pandora estava sem palavras.
- Tudo o que eu quero é que você sinta a calma... A paz.
Então do corredor atrás de nós surgiram os médicos carregando tablets nas mãos e depois uma arquibancada. Eles se organizaram na arquibancada e colocaram os tablets na frente deles, formando uma grande tela. A tela acendeu e mostrou a imagem de Sakina nas mãos das enfermeiras, na sala onde ela estava. Então os médicos começaram a jogar os tablets no chão e quebrá-los, rasgar as fotos e outros quebravam as televisões do corredor.
- Não! Não!
- Tudo bem Pandora. Isso tudo foi pra mostrar que as coisas grandiosas se apagam, se quebram, se queimam. Só as coisas simples permanecem. E a coisa mais simples e incrívelmente complicada que tenho agora, é dizer "Eu te amo Pandora". Você não notou cada segundo que te vigiava, cada lugar que ia, mas preparei tudo para o seu parto. Nada foi coincidência. Não perdi a hora do parto por que não deu, foi porque eu quis. Queria que você sentisse a importância de acordar ao seu lado, de tomar café com você e agora de ver nossa filha.
Pandora agora diz que me ama todo dia. Eu digo o mesmo. E tudo o que eu fiz foi gravado, pra mostrar ao mundo que a paz e a calma nos levam a apreciar os momentos simples. E torna os grandiosos, imensos.
Sakina a todos.

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