3 de jan. de 2012

Zizzy

- Estou sentindo um vazio dentro de mim doutor.
- E como é esse vazio? - perguntou o médico.
- Ah, é... Não sei explicar doutor, parece que não tenho coração.
- Explique melhor, Aibeleen.
Ela respirou, olhou para os lados e colocou as mãos na cabeça. Quando ela olhou novamente para o médico, disse:
- Promete que vai guardar segredo?
O médico balançou a cabeça positivamente.
- Sabe quando você sente que não tem ninguém pra abraçar, ninguém pra contar o dia, nem um amigo pra se divertir?
- Prossiga.
- E mesmo com milhares de pessoas ao seu redor você se sente um lixo, uma carcaça podre?
O médico continuava olhando para a prancheta em sua mão. Aibeleen levantou e foi até a janela.
- Nem você presta atenção, mesmo eu pagando pra isso.
- Estou prestando muita atenção em você.
Ela ofegou.
- Doutor, eu não preciso de alguém pra me ouvir. Estou falando só o que o senhor quer ouvir de um paciente.
- Eu preciso que você fale o que sente.
Aibeleen sempre achou que terapia era inútil. E agora esse pensamento tinha crescido imensamente.
- Eu sinto o que alguém que não sente, sente.
- Então você não sente, mas sente?
- Minha cabeça já tá confusa, você quer me confundir mais?
- Eu desejo que você saia dessa situação.
Aibeleen deu de ombros e saiu da sala. Ela tinha muitas pessoas com quem se importava, mas parecia que nenhuma dessas pessoas se importava com ela. Ela só era um objeto. Então ela resolveu se jogar da ponte. Foi ate o local e subiu no murinho, com milhares de carros transitando atrás dela, e nenhum dando importância.
- Se eu fosse você não faria isso.
- Quem é você pra me dizer isso? - replicou Aibeleen para o estranho que havia chegado do nada.
- Eu sou alguém que se importa com você.
- Ninguém se importa comigo moço.
- E por isso você quer se jogar? Eu tinha os mesmos motivos quando tentei me jogar da ponte.
- E por que você não se jogou? - Aibeleen já começava a ficar nervosa.
- Porque ele apareceu.
- Ele?
- O Zizzy
Aibeleen riu.
- Você quer me impedir de sair da minha vida medíocre por causa de alguma coisa chamada Zizze?
- Zizzy.
- Que seja.
- O Zizzy é um passarinho. Azul com amarelo. Ele voou na minha frente e me desequilibrou pra trás. Eu cai na ponte e não morri. Depois eu desisti de me matar.
- E ele falou que o nome dele era Zizzy?
- Não, ele só fez um barulho parecido com "zizzy".
- Então eu posso interpretar como Zizze.
- Eu vi primeiro, então é Zizzy. E você nem o viu, muito menos ouviu.
Aibeleen olhou de novo para o rio profundo. Olhou para as árvores num calçada próxima e viu um passarinho azul com amarelo. Ele olhou pra ela e voou pra longe.
- Moça, desce do muro. Vai ser melhor pra você, tudo vai passar. A vida é cheia de altos e baixos.
- Se fosse pra receber lição de moral, não tinha vindo me suicidar e sim ler um livro de auto-ajuda.
- Ignorância é a sua melhor amiga pelo jeito.
- Nem ela quer ser minha amiga, acredite.
Os dois ficaram calados por um tempo.
- Você é um lixo então moça.
- Obrigado por dizer o que eu já sabia.
- Mas você não sabe que lixo as vezes é melhor do que o que é limpo?
Aibeleen olhou estranhamente.
- Pensa bem... As pessoas te usam, abusam e depois jogam fora, não se importam com você. É um lixo.
- E qual é a vantagem em ser lixo?
- Se misturar com os outros lixos! Acredite, sou um lixo, todos somos lixos. Mas um lixo precisa do outro. Eu sou um lixo de emoções e preciso de um lixo de razões pra me guiar. No fim seremos todos empacotados na mesma sacola, seremos ou incinerados ou enterrados. Mas se você for um lixo reciclável, você pode voltar a ser útil!
- E como eu sei se sou reciclável ou não?
- Isso só você pode descobrir, se você é renovável ou não moça.
Aibeleen olhou para o riu e um pássaro passou e fez "zizzy" em sua frente. Ela desequilibrou mas o homem com quem conversava a segurou.
- Pelo menos você teve um cesto para aguentar o seu lixo. E os cestos aguentam muita coisa... Mas também são lixo no final, só duram um pouco mais.
O homem se virou e foi pra casa pacientemente.
Zizzy pousou no murinho e ficou olhando para Aibeleen.
- É Zizzy... A gente tenta se matar, mas você não deixa e ainda manda discípulos! Só você.
E com um zizzyar o pássaro voou para longe e deixou a moça olhando para o rio. Mas ela não pensava em se matar, mas sim como encontrar Zizzy e seus ajudantes no resto de sua vida. E assim ela foi.

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